Confronto e empoderamento: Expressões de Saturno & Lilith em Capricórnio
Introdução
O primeiro semestre de 2018 foi marcado astrologicamente por vários planetas percorrendo o signo de Capricórnio, representado imageticamente pela cabra montanhesa com pés de peixe. Marte, em sua passagem no início do ano, fez conjunção e ativou Plutão, que desde 2008 está neste signo. O guerreiro zodiacal também ativou Saturno, recém chegado ao décimo signo do Zodíaco, do qual é regente, em 21 de dezembro de 2017.
Porém, nem só de energia masculina se fizeram os trânsitos por esse signo em 2018. Entre novembro de 2017 e agosto de 2018, Lilith também transitou por Capricórnio, onde é dignificada e alcança uma posição de nobre convidada. Que energias foram movimentadas por esses trânsitos? Como elas influenciam o nível coletivo e as esferas pessoais? Como podemos interpretar os resultados desses trânsitos na esfera social?
Neste estudo, focalizamos alguns pontos perceptíveis da passagem dessas duas energias – Saturno e Lilith – por essa faixa zodiacal e comparamos as possíveis consequências desses trânsitos, em níveis coletivos e individuais. Afinal, os dois “arquétipos da sombra”, nos termos junguianos, provavelmente têm mais a nos dizer sobre sua estada Capricórnio do que uma análise apressada poderia nos revelar. O objetivo é analisar como essas energias podem se articular durante a passagem deles por Capricórnio e que impactos podem trazer para a estruturação psicológica humana em nível coletivo.
Para isso, resumimos brevemente os arquétipos em questão, analisamos o comportamento de cada um deles em Capricórnio e partimos para a análise das influências que ambos podem criar a partir dessa trajetória capricorniana em 2018, com base em três exemplos reais: o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, em 14 de março; a aprovação do referendo sobre o aborto na Irlanda, em 26 de maio; e a aprovação da legalização do aborto pela Câmara dos Deputados argentina, em 14 de junho – seguida pela rejeição da matéria pela Senado argentino no momento exato da entrada de Lilith em Aquário (08 de agosto).
1 Saturno em casa: disciplina e autoridade
A chegada de Saturno ao signo de Capricórnio em dezembro de 2017 foi seguida por várias análises que apontavam para o recrudescimento do conservadorismo e os perigos da seriedade e ambição excessivas. Se Saturno é o organizador da nossa experiência concreta, ainda que interna, o medo generalizado de seus métodos, que privilegiam a aprendizagem pelo sofrimento, foi exaltado por astrólogos e temido pelos clientes que buscam a orientação astrológica. Amigos quase totalmente leigos em Astrologia me perguntaram assustados como poderiam passar pelo trânsito de Saturno em Capricórnio sem sofrer muitos reveses, o que demonstra a força dessas imagens no coletivo.
Entre os astrólogos, já há quase um senso comum de que Saturno pode ser encarado tanto como um pesado fardo quanto como uma sólida base para o desenvolvimento de habilidades e aprendizado. Dito de outro modo, as experiências propiciadas pelo planeta podem criar estruturas construtivas ou obstrutoras, servindo como um trampolim ou como barreiras para o crescimento pessoal. A demanda por concentração, responsabilidade e foco para a obtenção de resultados concretos nas diferentes áreas da vida por onde Saturno passa pode ser uma prova considerada quase instransponível por alguns. De qualquer modo, as recompensas geralmente são observadas após o longo, árduo e complexo processo de trabalho e esforço exigido.
Assumindo o papel de Grande Mestre, do anjo caído que desempenha uma função educativa, de pai crítico ou do SUPEREGO, Saturno conduz a um isolamento naquelas áreas onde ele está transitando no mapa natal. Em trânsito, traz a qualidade do tempo de amadurecimento das questões que estão em movimento em cada casa. O “senhor do tempo” fecha os ciclos, arruma a bagunça, joga fora o que não serve mais e que está acumulado nos cantos juntando poeira. Como destaca Arroyo, o planeta torna evidente a importância do tempo para que o processo interno se realize por completo, especialmente porque apresenta um alto potencial educativo, especificamente em relação à paciência, moderação, temperança, dever e trabalho.
Liz Greene menciona Jung em sua abordagem da Astrologia Psicológica, afirmando que Saturno representa a SOMBRA, isto é, as características que temos e que o superego tenta esconder a todo custo, e, por isso mesmo, acabam projetadas no outro. De alguma forma, portanto, o desafio de Saturno está nas lições que o sujeito precisa ter para conseguir se desenvolver plenamente do ponto de vista psíquico. Mais do que estabelecer verdadeiras limitações externas, portanto, Saturno projeta na realidade exterior os conteúdos que estão presentes internamente ao indivíduo, para que ele próprio consiga desenvolver todo o seu potencial.
Ao chegar ao signo que rege, o planeta pode exibir-se em toda a sua plenitude. Sentindo-se confortável no território capricorniano, Saturno tem espaço (e tempo!) para trabalhar os temas da materialização, da ambição, da disciplina, da autoridade e do reconhecimento social. Objetividade, foco nos resultados, razão, prudência, solidez e uma determinação inquebrantável surgem naturalmente nesse território. A cabra Amalteia, de quem Júpiter se alimentou no tempo em que cresce até ter idade suficiente para destronar seu pai Saturno, segundo o mito, simboliza a perseverança.
Capricórnio é o arquétipo, portanto, do comportamento pragmático e racional, organizado, estável e determinado rumo aos objetivos traçados. Responsabilidades, especialmente públicas ou com os demais, e o dever, assim como a honra, são temas capricornianos. Autoridade, seriedade e reconhecimento público dessas qualidades transparecem como essenciais.
Se levadas aos extremos, contudo, essas características podem desembocar no autoritarismo, na tentativa de controle total sobre os outros e as situações vivenciadas, na inflexibilidade e na estreiteza de horizontes. O esforço é louvado sobre o talento, o cumprimento dos deveres é sempre mais importante que o prazer, a rigidez emocional não tolera desafios aos próprios valores, o diferente não se encaixa no pragmatismo e utilitarismo das rotinas desenhadas para o alcance das metas. Afinal, o que mais teme Saturno é a possibilidade de escárnio público, por isso o zelo pela própria imagem e pelo respeito à própria autoridade pode se tornar uma obsessão capricorniana.
2 Dignidade Selvagem: objetividade e maturidade
Se Saturno representa contenção, continuidade, estrutura, lentidão, autoridade, esforço, razão e, por que não, o masculino, o outro arquétipo que analisamos neste trabalho – Lilith, ou Lua Negra – nos fala de rebeldia, ruptura, caos, imediatismo, liberdade, prazer, emoção. Em uma palavra: do feminino. Percebe-se, por meio da dicotomia entre Lilith e Saturno, a complexidade da psique humana.
Lilith, com toda sua selvageria e insubordinação, também transitou por Capricórnio durante todo o primeiro semestre de 2018 (mais exatamente, de novembro de 2017 a agosto de 2018). Nos nove meses que passou no signo onde fica dignificada, ela também trouxe à tona conteúdos do inconsciente, da sombra arquetípica que afeta a todos os humanos, individual ou coletivamente.
Primeira mulher de Adão, criada em conjunto no que ficou conhecido como “homem primordial”, Lilith teria questionado o fato de sempre ficar por baixo durante o coito, exigindo um tratamento mais igualitário para seus desejos e impulso sexuais, segundo nos conta o mito. Parte da tradição judaica e também da suméria, assim como babilônica, o mito de Lilith, segundo Hurwitz, conecta-se ao arquétipo da Grande Fêmea, que inclui a grande mãe e a Anima sedutora. A articulação desse mito na psique dos sujeitos contemporâneos traduz um problema universal, segundo o autor: a confrontação com o feminino sombrio.
Sicuteri, por sua vez, informa que o mito contém, resumidamente, todo o processo histórico de repressão das características atribuídas a esse feminino selvagem – ou, numa perspectiva psicológica, ao inconsciente profundo. Como descreve Engelhard:
Lilith, portanto, está sempre se (re)atualizando na busca de reequilibrar, dentro do self cultural, os desvios unilaterais causados ao subjetivo, ao intuitivo, pela força repressora do dinamismo patriarcal. Ela irrompe como um vulcão, que lança suas lavas incandescentes e sua fumaça negra a grandes distâncias, causando espanto, abalo, sofrimento, medo e dor, provocando um raro espetáculo de beleza e temor, mas também renovando, transformando e fertilizando o mundo ao seu redor, removendo o que oprime e paralisa.
Para Barbara Koltuv, a compreensão desse arquétipo precisa ser realizada, pois o conhecimento do lado sombrio do feminino é necessário para o homem construir seu ego, criar uma fortaleza para sua consciência e personalidade. Hurwitz concorda que é preciso, de um ponto de vista psicológico, integrar os conteúdos do arquétipo de Lilith para que haja crescimento psíquico. Equiparando o arquétipo ao conceito junguiano de Anima, ambos os autores afirmam a importância do processo de trazer Lilith à consciência, para integrá-la à experiência vivida. Como ressalta Koltuv, Lilith é o nível instintivo, primal de vida, aspecto biológico, vital.
Profundamente conectada à expressão sensual dos desejos e pulsões, das sensações corporais, Lilith pode ser vista como a contraparte feminina de Saturno, apesar dos antagonismos mencionados entre os dois arquétipos. Há uma afinidade entre os dois, como ressalta Delphine Jay, para quem “ambos representam circunstâncias disciplinadoras que forçam atitudes realísticas: a primeira emocionalmente, o segundo materialmente. (…) O efeito de Lilith limita o emocionalismo negativo, assim como Saturno limita a desorganização das questões materiais. Ambos são fatores de controle no nível mais baixo”.
A autora destaca que, de um ponto de vista coletivo e social, as demandas de Lilith consistem em um período de abordagem impessoal da vida. Se há imaturidade emocional da pessoa, o arquétipo representa a negação da disciplina. Por outro lado, num nível mais positivo de consciência e operação dessa energia, há possibilidade de impulso mental, intelectual e artístico em uma abordagem profundamente criativa.
Enquanto a Lua, ou Lua Branca, tem seu domicílio em Câncer, Lilith encontra-se dignificada exatamente em Capricórnio. Segundo Jay, o posicionamento desse ponto arquetípico na carta representa onde e por meio de quais energias manifestamos objetividade emocional ou a falta dela. Desse modo, se operado num nível “ingênuo”, segundo a denominação da autora, a energia de Lilith torna-se disruptiva, destrutiva, frustrante. Contudo, se há suficiente consciência dela e maior maturidade emocional, seu potencial criativo e motivacional consegue expressar-se com desenvoltura.
Maturidade emocional e distanciamento, objetividade e direcionamento da energia vital são características encontradas em Capricórnio. O fato de Lilith encontrar-se dignificada exatamente no signo regido por Saturno é, portanto, outro fator de aproximação entre os dois arquétipos.
3 Possibilidades de integração ou confronto?
Seja de um ponto de vista espiritual ou mitológico, seja por meio da abordagem psicológica, a relação entre essas duas energias pode dar origem a um processo de integração consciente de aspectos duais do inconsciente. O ponto essencial é a necessidade de aceitação consciente da sombra, em suas faces feminina e masculina, para que as características sejam totalmente integradas à psique e possam constituir o sujeito em sua totalidade. Acredito que essa possibilidade de integração foi amplificada quando os dois estiveram transitando ao mesmo tempo em Capricórnio.
Tom Jacobs destaca que a energia feminina É, pois interessada, focada e concentrada em SER. “Traz a experiência por si mesma e conhece o mundo por si mesma”. Enquanto a energia masculina FAZ, uma vez que está interessada, focada e concentrada em CONTROLE e DIREÇÃO. Por isso, “dá forma à energia feminina”. Dessa forma, o masculino observa o feminino como algo fora de controle, energia sem foco, improdutiva, e procura dar uma instrução, estrutura, disciplina e base para essa energia que simplesmente é.
Se as energias saturninas têm, entre outras funções, dar forma e canalizar de modo construtivo as energias disruptivas de Lilith, em que outro signo isso seria melhor executado do que no persistente e disciplinado Capricórnio? Em que outra posição Saturno poderia estar tão firme dos seus propósitos a ponto de fornecer opções viáveis de ação para a rebelde energia criativa de Lilith?
Por sua vez, se cabe a Lilith quebrar as resistências e inibições de Saturno, a fim de ampliar a espontaneidade das expressões psicológicas do sujeito, onde ela estaria mais segura do que no signo onde está dignificada, por estar em seu ponto “natural” de domínio, o apogeu em relação à Terra? Como ressalta Jacobs, concordando com Jay, quando se encontra em Capricórnio, Lilith enfatiza a função de maturação, não apenas em relação ao trabalho, mas ao modo como as coisas devem ser feitas. O propósito desse posicionamento é desenvolver uma relação firme e estável com os próprios instintos.
Durante a passagem de Lilith por Capricórnio, acompanhada por Saturno, que permanece por lá até 2020, presenciamos uma efervescência social de discussões sobre temáticas femininas e feministas, direitos das mulheres e questões relacionadas à sexualidade, tais como aborto e aceitação da diversidade de expressão sexual.
Três casos paradigmáticos dessa temática são analisados a seguir. O primeiro deles é a aprovação popular do direito ao aborto na Irlanda, em 26 de maio, por meio de um referendo que alcançou mais de 60% de votos favoráveis. De tradição católica forte, o país discutia há anos a questão, e a partir da mobilização conjunta de dezenas de entidades e movimentos sociais ligados ao tema, finalmente a aprovação do aborto foi consubstanciada em uma decisão política formal – em forma de autoridade, portanto. Nesse exemplo, vê-se a força criativa do feminino que não aceita se submeter a uma autoridade externa ao seu próprio corpo conseguindo quebrar a rigidez e o autoritarismo saturnino baseado na tradição e nas instituições profundamente patriarcais que são a Igreja Católica, a Justiça e o Parlamento.
No mapa do referendo, que considera o horário de divulgação do resultado, em Dublin (18h17), Plutão (21°01’ de Capricórnio) está conjunto com Lilith (22°04’) na Casa III, onde também estão Saturno (8°00 de Capricórnio) e Marte (3°46’ de Aquário). Percebe-se, portanto, que a insubordinação e capacidade criativa de Lilith foram direcionadas para finalidades pragmáticas e coletivas pelas energias plutonianas e saturninas, muito relacionadas a pulsões inconscientes e a temas considerados tabus sociais. Saturno está em oposição quase exata a Vênus (8°33’ de Câncer) na Casa IX, indicando que valores conectados ao feminino podem alcançar a esfera política e filosófica, e as próprias instituições, que acabam influenciadas por uma visão de mundo a partir de uma ótica de autonomia das mulheres.
Um ponto interessante é que a campanha a favor do direito de aborto ressaltou os depoimentos de mulheres que passaram pela experiência de forma traumática. A discussão foi estimulada por um recente caso de morte de uma adolescente de 17 anos, impedida pela Justiça daquele país de realizar o aborto. Vênus em Câncer na Casa III provavelmente enfatizou o discurso da empatia e do cuidado que se opõe ao preconceito contra mulheres que sofrem o aborto, assim como Saturno contribuiu para a formalização legal da opinião pública, enquanto o Marte aquariano na Casa III auxiliou na comunicação eficiente de novos valores para o coletivo. A Lua (1°57’ de Escorpião) conjunta com o ASC (2º23’) e em oposição a Urano (0°34” de Touro) também mostra a força da autonomia feminina e da decisão sobre o próprio corpo como instrumento de mudança profunda nos rumos sociais.
O segundo caso analisado é a aprovação, pela Câmara dos Deputados argentina, do projeto que legaliza o aborto naquele país, em 14 de junho. Depois de 23 horas de sessão, a proposta foi aprovada por 129 votos a favor, 125 contra e uma abstenção. Desses votos, 50 deputadas argentinas votaram a favor e 49 contra, o que mostra a divisão de opinião sobre o assunto. No momento da aprovação, milhares de mulheres comemoraram a decisão nas ruas de Buenos Aires.
O mapa analisado é o do momento em que a decisão foi proferida (9h52), com a apuração dos votos dos parlamentares. Ao contrário do caso irlandês, na Argentina foram os legisladores os responsáveis pela aprovação. Plutão (20°40’ de Capricórnio) continuava conjunto a Lilith (24°09’), mas dessa vez ambos se somaram ao DC (19°31’ de Capricórnio) para enfatizar o peso do outro nas decisões individuais, revelado pelos votos masculinos que definiram a votação. Marte em Aquário na Casa VII (8°18’) indica que o momento de ação era aquele, e a comemoração presencial das milhares de mulheres mostra a materialização corporal, em forma de multidão, da autonomia feminina. Saturno posicionado na Casa VI (6°48’ de Capricórnio) revela que o processo de construção da proposta pela Casa Legislativa, que durou 13 anos, foi longo, trabalhoso e demandou esforço dos envolvidos na decisão. Destaca-se ainda a oposição de Lua e Mercúrio, conjuntos em Câncer na Casa XII (3°28’ e 3°33’, respectivamente), a Saturno. Emoção e racionalidade, afetos e capacidade de comunicação se conjugam em uma deliberação pragmática que envolve e traz à tona diferentes aspectos e traumas do inconsciente coletivo, entre eles a memória sobre a adoção de filhos de militantes assassinados durante a Ditadura por militares.
O terceiro caso analisado, ocorreu em 14 de março no Rio de Janeiro e traz a ameaça à autoridade feminina e ao reconhecimento público direcionado a mulheres proeminentes no cenário nacional. Trata-se do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, em março de 2018. Aqui, percebe-se a sombra manifestando-se em toda a sua força, com o silenciamento de uma voz discordante e tradicionalmente relegada a uma posição de inferioridade social que obteve reconhecimento na vida política, um espaço tradicionalmente e majoritariamente ocupado por homens. A negação da proeminência e do status público de autoridade a uma mulher negra – isto é, duplamente estigmatizada – se faz por meio da maior violência passível de ser sofrida por um ser humano: o assassinato.
O mapa do momento do crime, estimado às 21h30, traz Saturno (8°13’), Lilith (14°00’) e Plutão (20°55’) posicionados em Capricórnio. Saturno e Lilith estão na Casa II, acompanhados de Marte em Sagitário (28°28’). Plutão já está na Casa III, e merece destaque a visibilidade mundial desse crime, que levou a reações de organismos e governos estrangeiros pela investigação e punição dos culpados. Violência contra a mulher e feminicídio são questões presentes no cotidiano de vários países, especialmente no Brasil, há séculos. Não há novidade alguma nisso. Porém, acredito que este exemplo MATERIALIZA o tabu de Lilith de forma tão veemente e aguda que a repercussão mundial é mais do que justificada. Contribui para essa interpretação o fato de que o Nodo Norte está conjunto ao MC em Leão (14°30’ e 14°24’, respectivamente). Talvez o único aprendizado coletivo de um fato terrível como esse seja a repercussão pública que pode motivar alguma mudança social, como o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições de 2018.
Não por outro motivo, aliás, as reações persecutórias e difamatórias contra a vítima permaneceram nas redes sociais e nos espaços de opinião pública por vários dias após a sua morte. A reação do arquétipo de sombra de Saturno (Casa II) e Plutão (Casa III) em Capricórnio foi tão violenta que não foi suficiente a morte física de um corpo tido como ameaçador às estruturas sociais patriarcais, porque livre sexualmente e empoderado politicamente. Uma enxurrada de xingamentos, críticas e calúnias – a maioria deles com relação à aparência física, expressão sexual, origem social e aos posicionamentos políticos dela – foi despejada sobre o corpo inerte e sem vida de Marielle, que encarnou Lilith com todo o poder que o arquétipo poderia lhe conferir.
Sexualmente livre, autônoma, poderosa, inteligente, bonita, de origem pobre, negra: sua identidade representava muito mais transgressão do que Saturno e Plutão, incrustrados nos valores e na opinião pública brasileira, majoritariamente machista, poderiam suportar. Neste caso, o aborto proposto por Lilith não veio como possibilidade agressiva de escolha para corpos oprimidos: veio como interrupção violenta de um processo de vida e criação de novas identidades que prometia muitos frutos.
4 Breves considerações finais
Os três exemplos analisados demonstram as possibilidades de materialização trazidas pelo trânsito de Lilith em Capricórnio. É possível identificar neles a sombra e os aspectos mais destrutivos que um embate entre Lilith e Saturno pode trazer, ao mesmo tempo em que mostram possibilidades criativas que um encontro maduro entre ambos alcançaria. O trânsito de Lilith por Capricórnio teve sua amplitude elevada com a presença de Saturno, alçada a uma escala coletiva mundial, em ambas as situações descritas.
No caso nacional, o poder do masculino se impôs por meio da violência brutal, o que geralmente revela um desequilíbrio profundo entre feminino e masculino. Já no caso irlandês, a concretização de direitos femininos promoveu o empoderamento de mulheres em uma sociedade altamente tradicional e patriarcal por meio de um discurso baseado nas qualidades do feminino representado por Lilith: empatia, sensibilidade, autonomia do corpo, respeito à sexualidade feminina, aceitação do prazer e da liberdade das mulheres.
O caso argentino é mais ambíguo. Assim como houve a possibilidade de empoderamento do feminino e de sua autonomia, a realização do debate de forma interna ao parlamento, com grande pressão da Igreja Católica – cuja maior autoridade é argentina, e a recusa do Senado à aprovação da mudança legislativa mostra o poder das estruturas saturninas em conduzir e formatar a opinião pública. A pressão das tensões inconscientes internas também se fez presente, ao destacar o debate sobre a adoção nos tempos (sombrios) da Ditadura Militar.
O confronto interno com Lilith pode fazer com que ela se transforme, ensina Hurwitz. O diálogo interno começa e o arquétipo perde um pouco da sua escuridão, compulsão e selvageria. Acredito que isso também aconteça no nível coletivo. A maturidade demandada por Capricórnio significa o distanciamento das motivações internas nos moldes cancerianos. Em outras palavras, demanda que o sujeito se descole de sua própria perspectiva emocional, dando um lugar objetivo para o outro em suas considerações. Esse movimento parece ter sido alcançado pelos coletivos irlandês e argentino, em alguma medida, ao buscarem a empatia e a negociação com o lado masculino, mas ainda parece longe de ser hegemônico no cenário brasileiro.
Reforço que uma relação construtiva entre os arquétipos de Saturno e Lilith pode levar à integração de duas dimensões essenciais da psique humana: o masculino disciplinador, que se interessa pelo crescimento, e o feminino selvagem, que ama a expressão criativa. Ao mesmo tempo, se o consciente, seja coletivo ou individual, se nega ao esforço de reconstrução demandado por esse processo, persistindo numa perspectiva emocional de desintegração e oposição dessas duas dimensões da sombra, o resultado pode ser catastrófico para a própria psique. E também para a sociedade.
Referências
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