Escrito nas Estrelas
O estudo dos astros existe há milênios mas, vira e mexe, volta à berlinda. Desta vez, uma empresa austríaca decidiu contratar funcionários com base no signo. Afinal, até onde a astrologia pode ir?
Erica Andrade
Da equipe do Correio
É possível dizer que vivemos a era da ciência. A revolução proporcionada por avanços nas mais diversas áreas do saber, como computação, telecomunicações, biotecnologia e medicina, garantiam ao meio científico um status inimaginável há algumas décadas. Entretanto, é intrigante o fato de que, mesmo vivendo nesse ápice do conhecimento racional, boa parte da humanidade ainda busque no universo simbólico da astrologia a explicação para os temores do cotidiano, o autoconhecimento e até socorro na hora de tomar uma decisão. A tendência invade inclusive o mundo corporativo. No início do mês, a imprensa noticiou que uma empresa austríaca da área de seguros iria escolher os futuros funcionários tomando como base o signo dos candidatos, preferencialmente entre capricórnio, touro, aquário, áries ou leão. Para os diretores, os melhores empregados eram sempre desses signos.
Estudiosos estimam que a astrologia tenha surgido há cerca de 8 mil anos (6.000 a.C.). E, por mais que o tempo passe, segue firme. Na verdade, com o advento da internet, ela ganhou novas possibilidades. Para se ter uma ideia, apenas um dos portais de astrologia do país, o Personare, tem mais 750 mil pessoas cadastradas. Cerca de 77% desse público é formado por mulheres, 61% têm entre 19 e 35 anos. O astrólogo paulista Zeca Wallace Cochrane conta que a internet facilitou a comunicação entre os astrólogos e as pessoas. Para fazer o atendimento, Zeca usa programas de voz, de texto, e-mail e até webcams. Por isso, consegue manter clientes até no Japão: “Converso com eles como se estivesse em casa, não existe mais distância no mundo”. Mas qual a razão para todo esse encantamento? Quais respostas buscam as milhares de pessoas que apostam na interpretação da posição dos corpos celestes como uma alternativa para sanar angústias tão terrenas?
Falando de você
Imagine: qual a probabilidade de passar horas falando sobre nada mais que você mesmo? Raras são as chances, já que nem o mais franciscano dos amigos suportaria um desafio como esse. Talvez essa seja uma das explicações possíveis para o sucesso da astrologia. A interpretação dos mapas são momentos nos quais a pessoa pode parar tudo para se dedicar a ela mesma. Não que os mortais estejam passando por um surto de egocentrismo, mas as conversas astrológicas funcionam muitas vezes como sessões de psicoterapia. Cochrane ressalta que os indivíduos gostam e acreditam na astrologia apesar de todos os questionamentos e da literatura contrária proveniente do meio científico. E isso ocorre porque a interpretação dos mapas astrológicos e os dados obtidos desse processo dão consistência a esse universo: “É uma informação simbólica, mas funciona de maneira surpreendente, dando indícios, tendências e abrindo um leque de alternativas que foge do mesmismo cartesiano, possibilitando uma nova forma de enxergar a realidade”, avalia.
Cochrane acredita que a astrologia permite uma oportunidade de comunicação, especialmente durante a conversa que ocorre na leitura do mapa. “Ao fazer isso, a pessoa ganha várias perspectivas sobre os problemas. Muitas que convivem com culpa e remorso tendem a se desresponsabilizar sobre alguns fatos traumáticos, como se ingressassem em uma zona neutra.” Por essa razão, não espantaria a constatação de que grande parte da literatura astrológica de sucesso tenha sido escrita por psicólogos profissionais que a adotam como mais um instrumento de trabalho.
O astrólogo revela ainda que a disseminação da internet facilitou a comunicação. Para realizar os atendimentos, usa programas como o Skype, o MSN Messenger, além do contato visual por meio de webcams. Além disso, há a possibilidade de troca das cartas astrológicas por e-mail. Assim, é possível manter clientes até em Nagóia, no Japão.
Quase 100%
Lógica ou intuição? Foi diante dessa encruzilhada que o astrólogo Francisco Seabra tomou uma decisão fundamental na trajetória de vida dele. Por diversas vezes, conviveu com o rótulo de picareta e enganador. E para provar a perfeição dos mapas astrológicos se aproximou do universo acadêmico, submetendo-se a diversos testes em uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB), em 2005. Para isso, Francisco analisou 50 mapas, sem saber a identidade das pessoas. Para surpresa dos céticos, ele obteve um índice de 95% de acerto nos traços das características reais dos pesquisados. A partir dessa pesquisa, o Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais da (UnB) realizou, naquele mesmo ano, o I Encontro Nacional de Astrologia do Brasil.
Seabra aposta em uma abordagem mais racional da astrologia. “A construção de um mapa astral tem bases matemáticas e astronômicas. E a interpretação dos dados depende do preparo do astrólogo”, explica. Para isso, ele se baseia nas ideias de Jean Baptiste Morin de Villefranche, astrólogo, matemático e astrônomo que auxiliava o monarca francês Luís XIV, o rei-sol, a aprofundar conhecimentos do universo. “Villefranche criou a teoria das determinações, que dá as diretrizes para a interpretação dos mapas em bases diferentes das abordagens mais humanistas e psicanalistas”, explica.
“Sou um peixe solitário, mesmo os astrólogos não acreditam na possibilidade dessa precisão”, avalia Seabra, que aposta na ideia de que existe espaço para a pesquisa científica do conhecimento astrológico. Outra polêmica levantada por ele se refere ao horóscopo publicado nos jornais e revistas. Na opinião do astrólogo, esse tipo de abordagem dificulta a aproximação da astrologia com a ciência.
A era de aquário
Nas últimas semanas circulou a informação de que a era de aquário estaria começando. Um equívoco, de acordo com o astrólogo e filósofo Alexey Dodsworth Magnavita. Ele explica que cada era astrológica dura cerca de 2.156 anos e, para percorrer todo o zodíaco, seriam necessários 25.868 anos. Cálculos apontam que o início da era de aquário será por volta do ano de 2600. Mas essa confusão começou há mais tempo. Em fevereiro de 1962, praticamente todos os planetas do céu se encontravam alinhados no signo de aquário, o que foi interpretado também como um prenúncio da nova era. Em 17 de outubro de 1967, foi lançado o musical Hair, cuja letra da canção Let the sunshine in diz: “Quando a Lua estiver na sétima casa/E Júpiter se alinhar com Marte/Então a paz guiará os planetas/E o amor dirigirá as estrelas/Este é o começo da Era de Aquário”. Nos dias 14, 15 e 16 de fevereiro deste ano houve um alinhamento envolvendo os planetas Marte e Júpiter no signo de Aquário, numa conjunção muito próxima daquela de 1962. Alexey explica que alguns astrólogos apontaram erradamente esses dias como o início da era de aquário, por causa da letra da música. Entretanto, para o astrólogo, apesar de distante, aquário pode estar mostrando os primeiros sinais. O que não significa mais paz e harmonia: “Uma era nunca é melhor do que a outra, apenas diferente. A era de aquário apresenta perigos, tais quais a excessiva maquinização da sociedade, a ciência sendo elevada à categoria de nova divindade infalível”, avalia Alexey.
Socorro político
O astrólogo Francisco Seabra explica que, para fazer um mapa astrológico, é preciso informar a data, hora e cidade de nascimento. Os cálculos são feitos por meio de um software e as informações são interpretadas, em uma análise pessoal, que pode variar, inclusive, de acordo com o signo do próprio astrólogo. Além dessas informações, Seabra se informa sobre o local onde a pessoa passou o último aniversário, o que revela a revolução solar do indivíduo. Por exemplo, o sol vai estar em casas diferentes se você estiver em Brasília ou em Tóquio, o que alteraria as perspectivas para o futuro. Para exemplificar a importância dessas informações, Seabra conta que, em 2006, atendeu o deputado José Mentor (PT-SP), ameaçado de cassação por causa do escândalo do mensalão. Na direção contrária dos assessores que aconselharam a renúncia do deputado, Seabra sugeriu uma estratégia para alterar a revolução solar do mapa do parlamentar. Mentor resolveu viajar e passar o aniversário em Los Angeles, nos Estados Unidos. Não foi cassado e está no Congresso até hoje.
Crise econômica
Em maio de 2008, o astrólogo Francisco Seabra fez uma conferência na Universidade Federal da Paraíba. O texto se transformou em um artigo publicado no livro Terra: Questões ambientais globais e soluções locais. Veja o trecho da obra que prevê a crise financeira nos Estados Unidos: “No período 1769 a 1784, durante a última passagem de Plutão em Capricórnio, deu-se a revolução americana e a independência dos Estados Unidos. Aqui fica claro o conceito da quebra de estruturas socioeconômicas e culturais. Em 1929, quando ocorreu a quebra da Bolsa Americana, Plutão estava em Câncer, formando conjunção com o Sol no mapa dos EUA. A casa 2 do mapa astrológico é significadora de dinheiro, bens e propriedades. No caso dos EUA, a casa 2 tem sua cúspide a 11 graus de Capricórnio. Plutão chegará neste ponto eclíptico no ano de 2013, promovendo profundas alterações na economia norte-americana. A possível bancarrota econômica dos EUA obviamente influenciará todos os mercados do mundo. Capricórnio significa investimento naquilo que é sólido. Ao invés de papéis da bolsa, a energia capricorniana prefere investir naquilo que lhe parece materialmente palpável e seguro, como terras e construção civil ou, em última instância, guardar seu dinheiro embaixo do velho colchão”.
Palavra de especialista
Qual a origem do horóscopo?
A palavra vem do grego e significa “o espelho da hora”.
É o próprio mapa astral de nascimento de um indivíduo.
Os chamados “horóscopos de jornal” não consideram o mapa astral de nascimento, mas apenas o signo solar das pessoas e, por isso mesmo, não têm um grau de profundidade de um horóscopo efetivo, baseado na hora de nascimento. Esses horóscopos de jornal foram criados no princípio do século 20, como forma de popularizar o conhecimento astrológico, mas estão longe de serem aquilo que chamamos de “astrologia”.
Qual a importância do signo ascendente?
O signo ascendente é um ponto tão importante quanto qualquer outro no mapa astral. Especificamente, o ascendente representa a forma como a pessoa inicia as coisas no mundo, como ela se apresenta, sua aparência física, a forma de expressão de um sujeito.
Se a pessoa nasceu prematura e por isso acabou sendo de um signo diferente do que teria se tivesse nascido no momento certo, isso não teria alguma influência?
O fato de uma pessoa ter nascido prematura não muda absolutamente nada. Considera-se o mapa astral do momento em que ela nasceu, pois o que importa é o momento real do nascimento, e não o momento em que a pessoa, em tese, “deveria” ter nascido.
Indivíduos que nascem no mesmo dia, local e hora que outros têm mapas astrais iguais?
Sim, os mapas serão absolutamente idênticos, e com características semelhantes. As pessoas serão, entretanto, diferentes. O que ocorre é que a vida humana não é marcada apenas pelo mapa astral, mas também pelo ambiente em que ela vive e foi criada. Duas pessoas podem ter o mesmo mapa, mas a educação diferente e as oportunidades dadas pelo ambiente permitem o desenvolvimento das qualidades astrais de modos distintos. Duas pessoas com um mesmo mapa podem ter, por exemplo, a habilidade da liderança. Enquanto uma se torna um exímio líder político, outra se torna líder do tráfico de drogas. Resultados diferentes sob um ponto de vista moral, mas ambas são líderes.
Em sua opinião, por que as pessoas se interessam tanto pela astrologia?
Em primeiro lugar, por um desejo de encontrar explicações para o fato de elas serem como são.
A explicação de que elas são apenas resultado da educação e do ambiente não satisfaz, já que pessoas criadas pelos mesmos pais são totalmente diferentes. A explicação está justamente na astrologia. Existe uma qualidade que já nasce conosco e que é evidente desde a mais tenra infância. São nossas inclinações, que podem ir para um ou outro lado, a depender da educação. As pessoas se interessam também por curiosidade, porque ao lerem características de seus signos se identificam, e pensam “isso funciona”. Então, desejam se aprofundar para entender o que mais pode ser dito sobre elas.
Uma empresa austríaca está usando o horóscopo para selecionar funcionários. Como você avalia essa prática?
Se uma empresa seleciona funcionários a partir de signos solares, isso não é uma prática astrológica, mas uma atitude de preferência do empregador. Para ser uma prática astrológica genuína, seria preciso levantar o mapa astral de nascimento dos indivíduos selecionados, e não apenas os seus signos solares. Selecionar pessoas apenas a partir de signos solares não deixa de ser uma forma de preconceito. Digamos que alguém estabeleça que só quer contratar taurinos. Buda foi taurino, e Hitler também. Uma empresa que queira utilizar a astrologia vale-se do estudo do mapa astral completo, e não de algo tão superficial.
Alexey Dodsworth Magnavita é astrólogo há mais de 20 anos, graduado em filosofia, diretor técnico da Central Nacional de Astrologia, e autor do livro Curtos Circuitos — aspectos astrológicos tensos.