ONE SHOT! – A ARTE DA CONSULTA ASTROLÓGICA
Muito já foi dito no meio astrológico a respeito das contribuições que a ciência sagrada dos astros pode proporcionar à sua irmãzinha mais jovem (bem mais jovem…): a Psicologia. Jung chegou a afirmar que “a Astrologia é depositária de todo o conhecimento psicológico da Antigüidade.”
Esse é um assunto traumático (pelo menos aqui no Brasil) para todos nós que atuamos na fronteira entre essas duas formas de olhar o ser humano. Para os que, assim como eu, são psicólogos e astrólogos, não é preciso lembrar a peleja que temos que enfrentar nos conselhos de Psicologia. Tais quais os antigos tribunais do Santo Ofício, que lutavam para salvaguardar a pureza de algo que já havia sido perdidamente “contaminado” pela implacabilidade do tempo, esses pacatos e mal informados cidadãos, ainda se debatem na defesa do dogma decadente da sub-era da sombra virginiana de Peixes, segundo o qual, a palavra ciência é aplicável apenas ao que pode ser pesado, medido, cheirado e lambido.
Sim, é verdade que sob esse dogma, a própria Psicologia, naquilo que ela tem de mais psicológico, ficaria de fora. Mas isso é uma longa discussão que pessoas bem mais talentosas do que eu, como os fundadores da Psicologia da Gestalt, o pessoal da Fenomenologia e o próprio C.G. Jung já discorreram longamente.
Meu objetivo aqui, com esse texto, é discutir um pouco as contribuições que ela, a Psicologia, tem para nos oferecer. Em geral, nós astrólogos trabalhamos com aquilo que eu chamo: consulta “one shot”. O que vem a ser isso? Certa vez, vi no programa do Jô, um senhor alemão que era soldado na segunda guerra e viveu o cerco a Monte Castelo. De um lado, o exército americano, e do outro, nossos bravos pracinhas. – Como vocês sabiam quem estava atacando, perguntou o Jô? Ele respondeu: – Ahhh, fácil…os americanos vinham fazendo varredura de bombas, até que uma atingia a posição defendida por nós. Os brasileiros não. Era ONE SHOT! Um único tiro, se pagasse, pegou…
Pois é, nós astrólogos, na maioria das vezes, trabalhamos assim também: ONE SHOT! Temos uma única consulta, um único encontro com o nosso consulente, pelo menos até o ano que vem. Ao contrário dos nossos colegas, os psicólogos, que têm em geral, alguns encontros semanais por períodos que, às vezes, ultrapassam a cifra dos anos. É claro que nós temos a grande vantagem do mapa. Temos a planta-baixa do prédio, coisa que eles, às vezes, levam anos para descobrir, se é que chegam a descobrir, pelo menos da maneira que nós temos o direito de ver: desenhada pela mão do projetista, o Arquiteto Universal.
Para mim, a principal transformação ocorrida em meu trabalho como astrólogo, depois que iniciei minha formação em Psicologia, está no formato da consulta. Continuo atendendo ONE SHOT! Mas agora, minha maneira de fazer a consulta mudou.
Já atendo como astrólogo profissional há mais de dez anos. Durante um bom tempo, fui praticante do que chamo de “consulta enciclopédica”, aquela da Lua- não-sei-aonde quer dizer não-sei-o-quê. Esse tipo de coisas, que na maioria das vezes produz um: – Ahhh, que interessante, de parte do cliente maravilhado com a nossa sapiência…
Com o tempo e com a minha própria formação (que é coisa bem diferente de in-formação), vim percebendo que estava desperdiçando tempo e munição terapêutica.
Com a simplicidade que só sabem ter os gênios, Jung afirmou: “só podemos chegar com os nossos clientes, até onde fomos com nós mesmos.” Parece óbvio e é. Mas, é coisa bem mais fácil de dizer do que fazer. Até onde fomos com nós mesmos? Será que sabemos mesmo? Estamos nos trabalhando enquanto pessoas? Ou estamos protegidos pela nossa persona-mago, que nos garante que os outros terapeutas não têm nada a dizer a seres tão especiais e auto-conscientes como nós?
Enfim, minha consulta ONE SHOT mudou muito depois que tirei minha máscara de sábio e comecei a cutucar minhas feridas narcísicas (será que tirei mesmo?). Passei a entender um pouco o que a palavra presença quer dizer, e o potencial que ela traz para a consulta.
O que mudou? Posso dizer que a qualidade do encontro não é mais a mesma. Antes, estava lá eu de um lado, despejando toneladas de informações na fita K7, diante de um cliente pasmo e calado. Agora, na uma hora e meia que dura a minha consulta, a primeira meia hora é do cliente. Onde ele está? O que está acontecendo realmente em sua vida? O quanto ele vai poder levar desse encontro? Que língua existencial ele fala? Em que plano de consciência está vivendo? Qual é o foco aqui-e-agora, que é o que realmente vai fazer sentido para ele?
Como é que eu faço isso? Mês que vem, nessa coluna, a gente continua…
Carlos Maltz é astrólogo, músico, fundador e primeiro baterista do grupo Engenheiros do Hawai. Foi palestrante do I Circuito Nacional de Astrologia no evento da regional DF.