A causa dos planetas
por Rodolfo Veronese
Este é o meu primeiro texto para o site do CNA. Ele pretendia ser uma introdução ao pensamento astrológico medieval, mas percebi que seria muito mais interessante e proveitoso mostrar no que a Astrologia tradicional pode ajudar a prática moderna, sem que uma deturpe drasticamente a outra. De um texto histórico e filosófico, ele passou a ser essencialmente prático. Depois que o ler, você poderá aplicar esses conceitos em seus mapas e ter insights interessantes sobre a dinâmica de um mapa astrológico. Antes de introduzir o assunto, contudo, cabe aqui salientar uma diferença entre as duas astrologias.
Todos nós aprendemos que o mapa acontece todo ao mesmo tempo. Quando pensamos em termos de Psicologia, isso é verdade. Todos os dias sua Vênus em Aquário baixa na internet discos de bandas de rock alternativas; todos os dias, seu Marte em Libra fica pensando no que seria melhor para o outro antes de escolher para si; invariavelmente, na esfera psicológica os planetas “funcionam” non-stop. Como a Astrologia medieval lida com eventos externos (os famosos “acidentes do nativo”), não é sempre que seu Marte em Libra na Casa sete implicará em brigas com a namorada. Por isso o astrólogo medieval utilizava várias técnicas para saber quando a promessa de ação – representada pelos planetas no mapa natal – seria efetivada. Procuramos saber quando o Marte em Libra será ativado. Em se tratando de eventos, os planetas são como deuses que dormem, e são acordados em épocas específicas para representar o que eles prometem no mapa natal. Existe, contudo, uma maneira de estimar quando um evento se manifestará tardiamente ou não, ou qual é a causa dele. Esta técnica se baseia no conceito de regência, parte fundamental da Astrologia clássica. Vou postar aqui as regências tradicionais:
Câncer – Lua
Gêmeos – Mercúrio – Virgem
Touro – Vênus – Libra
Sol – Leão
Áries – Marte – Escorpião
Peixes – Jùpiter – Sagitário
Aquário – Saturno – Capricórnio
Quando você nota a presença de um planeta dentro de um signo, é comum pensar nas características daquele signo para classificar o modo de ação do planeta. Se eu tenho Marte em Leão, a ação leva tons dramáticos, imponentes, a pessoa é muito preocupada com “honra” na hora de agir, etc. Além disso, contudo, há um conceito muito importante da Astrologia antiga que pode ser usado e tem excelentes resultados. Ele tem sido discutido em maior ou menor grau desde o advento do importante Project Hindsight, uma instituição que visa traduzir textos do período clássico e medieval, a fim de reconstruir o conhecimento filosófico e astrológico da antiguidade. Falo do conceito de “matéria” e “forma”.
Seria óbvio demais somente comentar algo que é muito citado em artigos na comunidade astrológica. Neste artigo, vou mostrar no que consiste esse conceito, para em seguida mostrar sua aplicabilidade. Essa coluna de Astrologia clássica e medieval pretende ser essencialmente prática e fornecer insights para qualquer tipo de Astrologia, seja ela moderna ou não. Ou seja, você pode aplicar esses conceitos em qualquer mapa, para qualquer tipo de técnica.
Voltemos ao Marte em Leão. Marte está no signo regido pelo Sol. O astro rei dispõe do planeta vermelho. Isso significa que você pode estabelecer quatro tipos de relação entre Marte e o Sol nesse mapa:
* Causa Material: Marte é a matéria da qual o Sol é feito, sendo este a forma.
* Causa Eficiente: Marte se tornará aquilo que o Sol representa.
* Causa Formal: o Sol é a causa de Marte.
* Causa Final: Marte existe com os propósitos representados pelo Sol. Em outros termos, Marte existe para o Sol.
Essas expressões são derivadas da filosofia de Aristóteles. Para o filósofo, existem a matéria e a forma. A matéria gradativamente adquire uma forma. Matéria aqui não diz respeito somente a barro, tijolo, plástico etc. Para a nossa prática, a matéria pode ser qualquer coisa: uma situação, um contexto, uma idéia, uma pessoa etc. Essas coisas citadas com o tempo adquirem uma forma: o barro vira tijolo, o tijolo vira casa, a pessoa fica rica, a situação fica problemática, etc. A filosofia de Aristóteles, porém, foge do objetivo deste artigo: vamos portanto nos concentrar na aplicabilidade dos conceitos acima.
Continuando com nosso exemplo, Marte se encontra no signo de Leão. Vamos então posicionar o Sol e Marte em alguma Casa de um mapa hipotético, e assim teremos o exemplo que precisamos para entender os conceitos. Para o nosso exemplo, o Sol está na Casa IV e Marte está na Casa III.
Embora haja inúmeras manifestações desse Marte na Casa III, sejamos simples no exemplo. Tomemos esse planeta como “conflitos com o (um) irmão”. Quando eu expresso essa sentença, eu me sujeito ao desconhecido, pois esse Marte pode representar várias coisas além do irmão conflituoso. A pessoa pode dizer “ora, eu nunca briguei com meu irmão”. Em verdade, esse risco sempre ocorrerá na nossa prática, porém o próprio mapa pode nos auxiliar a estreitar um pouco as possibilidades. Para isso que serve o dispositor de um planeta, objetivo deste artigo.
Você já leu aqui que o Sol tem uma importante relação com Marte. Isso é mais simples do que parece. Simplesmente, as coisas que o Sol representa no mapa da pessoa especificarão aquilo que Marte representa no mesmo. Agora vamos confirmar se a pessoa briga com seu irmão ou não. Como o Sol está na Casa IV, os conflitos na Casa III dizem respeito ao ambiente familiar. Isso nos dá uma segurança maior em afirmar que Marte pode representar conflitos com o irmão, já que o Sol especifica Marte ao ambiente familiar.
Além de o Sol especificar o que Marte representa, ele é a causa marcial. Poderíamos dizer que o dono do mapa brigará com seu irmão devido a questões residenciais (Sol na Casa IV). Disputas de poder pela autoridade dentro da residência, representada pelo Sol, podem gerar conflitos entre irmãos.
Existe uma terceira e mais interessante relação entre o ocupante do signo e seu dispositor. O ocupante, pouco a pouco, se tornará aquilo que o regente representa. O regente da Casa é o vir-a-ser dos seus assuntos. Quem sabe o irmão do nativo morará com ele um dia? Com o passar do tempo, os conflitos com o irmão se tornarão disputas pela autoridade dentro de casa.
Com essa terceira causa, chegamos a uma importante conclusão: apesar de o mapa mostrar todos os planetas juntos, precisamos encontrar uma maneira de saber quando eles se manifestarão. Com tudo o que foi apresentado aqui, percebe-se que o regente de uma Casa sempre mostra o desfecho dos assuntos dessa Casa, enquanto o ocupante mostra o início. Esse conhecimento nos abre um caminho para respondermos à principal diferença entre a Astrologia horária e a Astrologia natal, objetivo do próximo artigo. Até o próximo!
Rodolfo Veronese é astrólogo especializado em Astrologia Medieval.