Resenha do Livro Christian Astrology, de William Lilly

19 de setembro de 2014 Arquivo, Resenhas 1 comment

Em 1980, a astróloga inglesa Olivia Barclay encontrou um tesouro; uma cópia do livro Christian Astrology, de William Lilly. Cinco anos depois, ela faria com que ele fosse reeditado, ajudando no renascimento do que chamamos, hoje em dia, de astrologia tradicional.

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1647, quando a carreira do Merlin inglês (como William Lilly era conhecido por seus admiradores) estava relativamente no início (ele começou a estudar astrologia em 1632), mas é um texto fascinante. Lilly era astrólogo profissional, praticante, bem respeitado e de excelente reputação, embora estivesse longe de ser uma unanimidade. Além disso, era um cidadão ativo e integrado na vida da comunidade na qual vivia, e isso transparece no livro. Sua escrita é confusa (ponham na conta de seu Mercúrio natal retrógrado em Touro) e a falta de revisão e organização podem chocar os leitores modernos, mas o esforço vale a pena.

O Christian Astrology se divide em três livros.

O primeiro se chama “Introduction to Astrology” (Introdução à Astrologia). O autor introduz os conceitos básicos, incluindo as técnicas para se calcular um mapa astrológico. Algumas partes podem não interessar ao leitor moderno que conta com a ajuda de programas de computador, mas a introdução aos conceitos astrológicos em si é boa. Planetas, signos, casas, aspectos, dignidades e debilidades, está tudo ali, mesmo que um pouco misturado. Essa introdução é voltada claramente para a parte seguinte.

O segundo livro se chama “The Resolution of all Manner of Questions and Demands” (Resolução de Todo Tipo de Perguntas e Pedidos”). Aqui está o maior valor do livro e o motivo de ele ter uma influência tão grande. O grosso da prática do astrólogo inglês (e de seus contemporâneos, provavelmente) era composta por horárias (e talvez decumbituras, que não são tratadas nessa obra); a obsessão que temos hoje em dia com o próprio mapa era algo inexistente (e pouca gente tinha os dados de nascimento preservados). Assim, mesmo no início da carreira, o conhecimento de Lilly, que atendia vários clientes de horária todos os dias, já era espantoso.

Lilly divide as perguntas possíveis em astrologia horária por casas; para cada uma ele resume o que os autores anteriores a ele disseram e explica as técnicas que ele julga serem as mais acertadas. Aí mora uma das fontes de confusão; ele raramente explicita quando está citando uma fonte e quando está dizendo o que ele acha que deve ser feito; então, não é difícil termos um parágrafo aconselhando que sempre tomemos o planeta de quem a Lua se separou como co-significador do querente, por exemplo, e, dois parágrafos abaixo, lermos que essa prática é um absurdo e deve ser abandonada.

A pérola de maior valor dessa seção, no entanto, não está na teoria, mas nos 35 mapas de exemplos. Seu domínio do assunto impressiona; nestes mapas vemos como ele realmente trabalhava, o que muitas vezes era diferente do explicado nas partes teóricas.

Além disso, neles vemos o autor por inteiro. Engajado (várias horárias são sobre batalhas da época), parcial (seu ódio aos clérigos e aos reis transparece o tempo todo), falível (numa horária ele encaminha a mulher ao homem que ela não amava), passional (em outra ele se deixa enrolar numa compra de imóveis porque se encantou com a filha do vendedor), mas respeitado (conseguiu um mandado de busca usando apenas um mapa horário, para recuperar uns peixes roubados) e extremamente atencioso e profissional com os clientes. Bem diferente daquela ideia romântica do astrólogo afastado do convívio com os meros mortais.  Cristão devoto milenarista e puritano, homem prático que nunca esquecia que dinheiro não dá em árvores, antimonarquista ferrenho, Lilly não parecia em nada com a imagem que temos de um astrólogo antigo – nem de um moderno.

O terceiro livro é “An Easy and Plain Method Teaching how to Jugde upon Nativities” (“Um método simples e fácil que ensina a analisar natividades”). Lilly ensina a retificar o momento do nascimento, a calcular o tempo de vida, a determinar o Senhor da Natividade, o temperamento, os modos e a inteligência e a aparência física; então, ele avança, casa por casa, pelos assuntos da vida (ele começa pela casa dois, porque esses assuntos anteriores são da casa I).

Em seguida, ele explica alguns métodos de previsão (direções, profecções, revoluções e trânsitos) e dá um exemplo de análise de uma natividade.

Aqui, também, o estudo fica mais rico quando vemos o mestre trabalhando, não o professor ensinando – Lilly era muito melhor astrólogo que pedagogo.

O texto em geral não é dos mais fáceis. Lilly escrevia de forma desorganizada e confusa.

Algumas vezes ele claramente terminou a frase depois de ter percebido que ela estava errada: por exemplo, ao falar de Júpiter, no livro um, ele diz algo como “Júpiter é o planeta mais brilhante do céu, depois do Sol, da Lua e de Vênus”. Estar depois do Sol, da Lua e de Vênus põe Júpiter exatamente no meio dos planetas em termos de luminosidade. Na análise de uma horária, ele fala algo como “Marte está maravilhosamente forte, exceto por estar na própria queda”. A “força” de Marte, estar na triplicidade, é bem mais fraca que a debilidade de estar na própria queda.

Em outras, ele parece ter esquecido o que estava escrevendo: na seção sobre perguntas de casa sete, ele insere uma lista de aforismos gerais, que pouco ou nada têm a ver especificamente com o assunto e que deveriam ter sido inseridos antes de ele começar a explicar as casas.

 

Mesmo com esses problemas (eu diria até “por causa também desses problemas”), ele é essencial. A leitura cuidadosa do Christian Astrology, entre outros benefícios, desfaz alguns mitos.

 

Em primeiro lugar, os mitos sobre o próprio livro. Muitas vezes se lê que o “Christian” do título foi uma medida de segurança, para evitar problemas com as autoridades eclesiásticas. O texto deixa bem claro que ele não tinha medo nenhum de retaliação (ninguém escreveria sobre as mesmas autoridades no tom em que ele fazia se tivesse) e que ele era cristão, mais do que grande parte dos cristãos que hoje em dia rejeitam a astrologia. Grande parte das desavenças entre ele e John Gadbury eram religiosas (Gadbury era católico, Lilly protestante).

 

Em segundo lugar, mitos sobre as considerações antes da análise, ou considerações antes do julgamento. É verdade, elas estão explicadas no livro I; mas são solenemente ignoradas nos mapas do livro dois (mais de dois terços dos exemplos desrespeita uma ou mais dessas considerações; é sempre bom lembrar que esses mapas são, em tese, os melhores que ele tinha, escolhidos como exemplos no livro, o que faz suspeitar que ele nem lembrava dessas considerações ao abrir um mapa). Quem o tenha lido sem se dar ao trabalho de estudar os exemplos (ou tenha lido apenas outras pessoas falando sobre ele) não tem como perceber isso.

 

Por último, desfaz a ilusão do tradicionalismo. Astrologia tradicional é chamada assim porque os praticantes se inserem, ou tentam se inserir, numa Tradição, numa comunidade de princípios. Não é, de forma alguma, uma obediência boba a receitas, mesmo que essas sejam antigas. Lilly adorava novidades; ele tenta usar os chamados “aspectos menores”, ou “aspectos keplerianos” em vários pontos do livro (só não consegue encontrar nada útil para fazer com eles). O que ele respeitava eram os princípios, não a suposta autoridade de qualquer astrólogo que tivesse tido a sorte, ou o azar, de ter morrido antes dele.

 

Mais que isso tudo, no entanto, o maior fruto dessa leitura é o ensino da astrologia tal como era praticada na época, pelas de um dos seus praticantes mais respeitados, que ganhou fama de grande astrólogo ainda em vida. Christian Astrology não é um livro para ser lido uma vez. É para ser relido e reestudado, dissecado e problematizado, ao longo dos anos; se usado dessa forma, ele sempre vai ter alguma coisa nova para ensinar.

Sobre o Autor

Astrólogo tradicional, especializado em astrologia horária. Estudou com Pedro Sette Câmara e com o astrólogo inglês John Frawley. É membro (Master Astrologer) da Society of Astrologers de Christopher Warnock.

One comment

  1. Ricardo
    Posted on ago 16, 2016 at 7:45 PM

    Legal artigo engraçado, ou seria Lily engraçado por falta de revisão…
    Peguei o livro em português, não tomava coragem para ler em inglês…

    reply

Deixe um comentário para Ricardo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »